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O mal-estar da civilização: de Freud ao sujeito digital

  • Foto do escritor: Isadora Fajardo
    Isadora Fajardo
  • 1 de out.
  • 3 min de leitura

Freud publicou O Mal-Estar na Civilização em 1930 e até hoje é possível extrair sentido da obra. Sua tese central era que a vida em sociedade exige repressão: as pulsões humanas, especialmente as sexuais e agressivas, precisam ser contidas para que a coletividade funcione. Essa renúncia, embora necessária, gera sofrimento. Não é difícil entender o paradoxo: para vivermos juntos, precisamos abrir mão de algo profundamente nosso.


O que me chama atenção é pensar como esse diagnóstico, feito no início do século XX, fala com o presente. Se no tempo de Freud a repressão das pulsões era a marca do mal-estar, hoje vivemos outra configuração: não é mais a falta de expressão, mas o excesso de estímulos que nos atravessa.


Vivemos em uma cultura digital que nos conecta o tempo todo, e ao mesmo tempo nos esgota. A promessa era de liberdade, de poder acessar tudo a qualquer hora, mas a realidade é que também somos acessados o tempo todo. Entre notificações, mensagens, demandas de trabalho e o fluxo infinito de informações, parece não haver mais espaço para o silêncio.


Se antes o sujeito se sentia moldado por regras morais e sociais, agora ele se vê esmagado pela lógica da performance. Não basta trabalhar: é preciso mostrar que se trabalha. Não basta estar em forma: é preciso exibir o treino. Não basta viajar: é preciso compartilhar a viagem. Teve um filósofo que disse que deixamos a sociedade disciplinar de Foucault para viver numa “sociedade do desempenho”, na qual somos exploradores e explorados de nós mesmos. E faz muito sentido!


O resultado? Uma epidemia de ESGOTAMENTO. Vivemos na crença de que podemos (e devemos) dar conta de tudo. Dirigir e responder ao WhatsApp no sinal de trânsito, checar o e-mail enquanto conversamos com alguém, acompanhar as notícias enquanto almoçamos. Essa falsa sensação de onipotência vem acompanhada de um preço alto: ansiedade, insônia, sensação de insuficiência permanente.


E o mais curioso é como tudo isso é vendido sob o rótulo de saúde e bem-estar. Alguém foi capaz de escrever slogans como “trabalhe enquanto eles dormem” ou “treine enquanto eles descansam” como se fossem mantras de sucesso, quando na verdade reforçam um ideal impossível. A superprodutividade virou valor moral. Quem não acompanha o ritmo, sente-se culpado.


O mal-estar da civilização, hoje, talvez não seja apenas a repressão das pulsões, como Freud diagnosticou, mas a sua captura pelo mercado e pelas redes. Desejamos e somos desejados o tempo todo. Só que esse desejo não é genuinamente nosso: ele é constantemente moldado por algoritmos, tendências e exigências sociais. Suprimimos algo da nossa singularidade para aderir a um ideal coletivo de performance, consumo e visibilidade.


No fundo, parece que estamos todos vivendo para sustentar uma imagem, uma versão “instagramável” de nós mesmos. O mal-estar não é só repressão, mas também exaustão. Não é só o que não podemos viver, mas também o peso de termos que viver de um jeito que nunca é suficiente.


Trocamos a renúncia de prazer pela saturação dele, a culpa pela insuficiência pela culpa de não render o bastante, a neurose da repressão pela ansiedade da superexposição.

E a pergunta que fica é: até quando vamos normalizar a insanidade de uma vida vivida para as aparências, onde “bem-estar” significa estar sempre disponível, produtivo e visível?


Talvez o verdadeiro ato subversivo, hoje, seja simplesmente desligar e reaprender a sustentar o silêncio.

 

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